Tempo, tempo, tempo, tempo…

6 de junho de 2016


O que move quarenta adolescentes a assistir, em pleno feriado, a um espetáculo de teatro em uma noite fria de São Paulo? Talvez o desejo de inquietar-se, de arriscar-se em terrenos inseguros, de propor a si mesmos novas formas de pensamento, de entrar em contato com outras estéticas? Foi o que fizeram os alunos do Ensino Médio da Móbile: assistiram à peça Playground no dia 27 de maio, no Viga Espaço Cênico, no bairro de Pinheiros.

Não é de hoje que o cinema explora, por meio de flashbacks, o tema da passagem do tempo. Os inúmeros recursos técnicos (maquiagem, câmeras, chroma key etc.) de que dispõe essa arte facilitam e garantem a verossimilhança necessária. Mas não é comum que o teatro faça isso, mais incomum ainda é que essa passagem do tempo seja garantida não por efeitos especiais a la Broadway, mas pelo trabalho rigoroso de atores. Em Playground, Lara Hassum e Mateus Monteiro vivem por três décadas os encontros e desencontros dos personagens Daniel e Karina. O casal se conhece em uma enfermaria e tem sua trajetória marcada pelas cicatrizes (literais e metafóricas) que suas acidentadas vidas lhes garantem.

Mateus Monteiro explora o humor quase pueril de seu personagem. É ele que garante leveza e graça a uma história tão dura. Menino, dos oito aos trinta e oito anos, o ator só muda seu registro – garantido pela sutileza do olhar, pela transformação física e pela voz triste – na cena final, quando algo se transforma dentro dele. Lara, por sua vez, imprime força e beleza a Karina, que insiste em sobreviver aos duros percalços da vida.

Tantas leituras poderiam ser feitas do espetáculo dirigido pelas mãos firmes de Marco Antônio Pamio, mas vamos optar por apenas uma: Playground é uma história de amor. Não se trata de um amor romântico (embora o trágico perpasse a vida de Daniel e Karina), pois não há espaço no texto de Rajiv Josef para grandes idealizações. A peça fala daqueles amores que passam pela nossa vida e que não se realizam com a plenitude que mereceriam, fala do quão difícil é ser gente e do quão valioso é poder contar com o outro, seja lá que nome esse outro possa assumir. Foi essa (im)possibilidade do amor que comoveu os quarenta adolescentes que enfrentaram a noite fria de São Paulo naquele feriado.

Wilton Ormundo é diretor do Ensino Médio.