Jovens utópicos em realidade distópica
19 de março de 2018
“Em um mundo de cabeça para baixo, o verdadeiro é um momento do falso.”
(Guy Debord)
Ao longo do ano de 2016, as livrarias estadunidenses e britânicas viram um aumento considerável nas vendas de dois clássicos da literatura de língua inglesa: os romances 1984 e Admirável mundo novo, de George Orwell e Aldous Huxley, respectivamente, voltaram a ser foco de diversas discussões por parte da crítica literária e do grande público. O motivo: as incertezas que circundam as vidas dos indivíduos cujas existências estão constantemente atadas às redes sociais trouxeram para muitos a impressão de que estaríamos, no presente, vivendo as distopias previstas pelos renomados autores ingleses.
Sob a perspectiva de Orwell, o futuro seria distópico na medida em que seríamos controlados pela restrição do acesso a informações, draconianamente controladas por um poder central que observa a tudo e a todos. Já para Huxley, tornar-nos-íamos escravos de nossa submissão à exposição à cultura de massa e crença na ciência, o que geraria um descompromisso e estranhamento perante as relações entre os indivíduos. Em tempos de fake news, pós-verdade e aplicativos de relacionamentos, o futuro previsto nos romances mencionados parece cada vez mais próximo.
Nesse cenário, os professores André Fernandes (Língua e Produção de Texto) e Teresa Chaves (História), do 2º ano do Ensino Médio, propuseram uma discussão com os alunos a respeito de dois epísódios de Black Mirror, série que procura problematizar os possíveis cenários distópicos oriundos de nossa relação cada vez mais dependente dos dispositivos de mídia digital. Por volta de 100 alunos do Ensino Médio se dispuseram a propor relações inovadoras a respeito de um seriado que, se para muitos é mera fonte de entretenimento, foi encarado como inspiração para reflexões mais profundas.
Em “The national anthem”, primeiro episódio analisado, assistimos ao impacto da força coletiva que as mídias sociais podem alcançar quando o primeiro-ministro britânico se depara com um dilema moral, julgado e observado por toda uma nação. Em “Nosedive”, problematizamos a vida de indivíduos em uma sociedade na qual todas as interações humanas são avaliadas por um aplicativo e servem como sustentação para um sistema de troca de mercadorias.
Assistindo aos episódios, cresce a percepção de que o momento em que vivemos é assustadoramente próximo da visão distópica construída pela série. Contudo, ao ouvir as falas apaixonadas e motivadas de nossos jovens alunos, permitimo-nos imaginar que, dentro do espelho negro distópico do presente, conseguimos vislumbrar um pouco da luz da utopia.
André Fernandes é professor
de Língua e Produção de Texto do Ensino Médio.