“Carmen”: Pensar o futuro é uma urgência do presente

31 de agosto de 2017


Quando pensamos sobre a importância dos clássicos, costumamos ressaltar sua potência de explicar ou de, ao menos, auxiliar a compreensão do presente. Nesse caso, o que estamos fazendo é usar determinada tradição como anteparo para a leitura do que (nos) acontece hoje. Entretanto, muitas vezes nos esquecemos de que o exercício inverso também é possível: podemos com ele refletir sobre o passado à luz de nossa própria atualidade. Carmen, espetáculo que encerrou sua primeira temporada em São Paulo no dia 20 de agosto, com direção de Nelson Baskerville e atuação de Natalia Gonsales, Flávio Tolezani e Vitor Vieira, é um exemplo dessa segunda operação. Inspirados pela novela homônima de Prosper Mérimée, nosso esforço (fui o responsável pela recriação dramatúrgica da novela) foi o de justamente explicitar certas contradições da obra original para discutir um problema de ordem social, histórica e cultural que é a violência contra a mulher. Assumimos, assim, o teatro como lugar de encontros, de discussões, de produção de conhecimento e de provocação de mudanças.

Como artista e professor, tive uma dupla satisfação por recebermos, no dia 18 de agosto, um grupo grande de alunos e de professores do Ensino Médio, que, além de assistirem à peça, permaneceram para um debate após a apresentação. Nele, pudemos – artistas e público – refletir sobre o espetáculo que havíamos compartilhado e sobre as relações entre essa experiência e a vida cotidiana num momento tão conturbado quanto o nosso. Levantamos, como era de se esperar, mais perguntas do que respostas. A violência contra a mulher é uma questão complexa e, por isso, tende a se desdobrar em várias e a exigir a análise de toda uma série de fatores que, mesmo quando isolados, não são simples. O que parece certo, porém, é que possuíamos inquietações comuns, que nos levavam a falar de nossas angústias, desejos e atitudes.

Por conta de tudo isso, afirmamos também o teatro como lugar de ação, no que talvez se assemelhe à escola. Se ainda nos faltam os nomes, fiquemos por ora com os verbos: discutir, produzir, conhecer, mudar. Num mundo que, por vezes, teima em viver no passado, pensar o futuro é uma urgência do presente.

 

Luiz Farina é professor de Criação Literária, autor, diretor de teatro e ex-aluno da Móbile.

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