Cinema – Université Sorbonne

29 de março de 2014


A seguir, ex-alunos da Móbile nos contam sobre sua experiência universitária.

Cinema – Université Sorbonne
Guilherme Mendes

Entendendo as origens

O nome Sorbonne, reconhecido e prestigiado mundialmente, deve-se ao fundador da escola de Teologia (1253) Collège de Sorbonne, Robert de Sorbon. Sorbonne foi o nome geral utilizado para designar a antiga Universidade de Paris até 1970. Durante a Guerra Fria, a Sorbonne foi palco de manifestações de extrema esquerda e, mais precisamente durante os eventos de maio de 68, foi ocupada pelos estudantes. Em 1970, a Universidade de Paris foi dividida em 13, pela reforma universitária colocada pelo general De Gaulle como solução para o relaxamento acadêmico que vinha acontecendo. Assim surgem as Universidades de Paris (numeradas de I a XIII). Apenas quatro universidades conseguem manter o nome Sorbonne e a localização prestigiada no coração do Quartier Latin (o bairro de maior concentração de universidades em Paris), além do abrigo sob o prédio legendário da antiga escola de Teologia. São as Universidades Panthéon-Sorbonne (Paris 1), Sorbonne Nouvelle (Paris 3), Paris Sorbonne (Paris 4) e Paris Descartes (Paris 5 – que tem um de seus centros de pesquisa nomeado Sorbonne). O prédio antigo da Sorbonne é ocupado por anfiteatros, algumas salas de aula e as presidências das Universidades Paris 1, 3 e 4. Isso me soou um pouco bizarro quando cheguei a Paris. Mas depois que eu fui ouvindo um pouquinho da história da Sorbonne eu entendi o motivo de termos três faculdades – teoricamente desligadas uma da outra – no mesmo prédio. No ano 2010–2011 estou estudando oficialmente Cinema na Paris 3 (a mais antiga faculdade de cinema da Europa) e assisto o curso de Ciências Políticas na Paris 1 como auditor livre, ouvinte.

O sistema de ensino superior francês

Na França os alunos começam a se preparar para a License (Undergraduate, Graduação) no lycée (colégio). No último ano de colegial eles escolhem o percurso para preparar o baccalauréat (abreviado como bac) – a prova que fazem ao final do Ensino Médio. A nota nessa prova é um dos fatores que vai determinar em quais universidades vão conseguir ser aceitos. Eles escolhem preparar um bac da área de humanas, ciências, biológicas ou uma área profissional. Inclusive, podem escolher esse percurso no último ano. Por exemplo, um aluno que vai começar a License em Cinema, já começa a estudar matérias de cinema no último ano de lycée.

Há dois tipos principais de instituições de ensino superior na França: as Universités e as Grandes Écoles. As Universités são gratuitas, bastantes teóricas e renomadas. As Grandes Écoles são pagas (média de 5.000 euros por ano) e têm maior infraestrutura. O aluno vem preparado do lycée com o seu bac em algum percurso e entra na License, que dura três anos, em geral. Depois, passa para o Master (Mestrado), que dura dois anos. Termina com o Doctorat (Doutorado), mais três anos de estudo. São os níveis L1, L2, L3, M1, M2 e Doctorat. No meu caso, sou aluno L2, isso quer dizer que já tenho um ano de estudo depois do bac. Sou, então, bac +1. No próximo ano serei aluno L3. Então, terei um nível bac +2.

Para esclarecimento, o processo de aceitação em Universidades estrangeiras não é tão complicado assim: basicamente, temos que ter um bom histórico escolar, saber falar a língua do país (nível B2 do quadro europeu para Universidades e nível B1 do quadro europeu para Grandes Écoles, em geral) e ter uma boa carta de motivação. No caso da França, aqueles que tiverem interesse podem encontrar muitos esclarecimentos aqui: brasil.campusfrance.org.

Estudar na França, estudar na Sorbonne, estudar em Paris.

As minhas primeiras impressões sobre a França foram formadas antes de eu aqui chegar. Eu sabia que estava indo morar numa cidade linda, plena de cultura e de pessoas interessantes, em um centro acadêmico dos mais comentados mundo afora, em um país desenvolvido com uma das economias mais fortes do mundo – mesmo sabendo da crise europeia. Essas impressões são reais. Mas, assim como nas universidades públicas de ponta do Brasil, por aqui também temos defeitos.

Lembro que cheguei à Sorbonne Nouvelle, centro Censier, um pouco mais ao sul do centro mais antigo, para fazer minha matrícula e… que confusão era aquela? Filas enormes e papéis colados por todas as paredes, cada um com um assunto diferente, centenas de alunos falando todas as línguas possíveis e todos cheios de dúvidas. Não entendi nada. Fiquei desesperado, precisava me matricular e não sabia onde. Eu me perguntava o porquê de eles não efetuarem a matrícula via site, ou fazerem um mutirão com várias pessoas para matricular os alunos. Pouco a pouco, fui descobrindo como funcionavam as coisas. Primeiro, precisava ir a uma sala fazer uma matrícula administrativa. Depois, ir à outra sala, para fazer matrícula nas matérias de Cinema. Em outro dia, precisava ir à outra sala fazer matrícula nas optativas, e à outra sala, para esportes, e à outra, para línguas. Muitos, muitos papéis. Eu escolhia o horário das minhas aulas, totalmente diferente, os estrangeiros ficavam loucos. No final eu acabei gostando dessa dinâmica. Salvo o fato de não termos uma turma de um ano específico, do curso de Cinema. Não há uma classe. Cada um monta sua grade do jeito que prefere e voilà ! Isso é bom porque você conhece muito mais pessoas, mas é ruim porque demoramos para criar um círculo mais fixo de amigos.

Desde que eu cheguei a Paris já enfrentei uns oito dias de greve. Metrô: um caos; faculdade fechada; ruas insuportáveis e muita polícia na rua. Mas não liguei para isso. Atrapalha, mas como tudo é novo, até a tradicional greve francesa nos encanta. Os professores são extremamente pontuais e ficam bravos com retardatários. Mas já tive dois dias em que o professor faltou, que foram justificados pela greve. As aulas são bem legais, mas muito, muito teóricas. Temos muitas matérias que são chamadas de cursos magistrais (em grandes anfiteatros para 200 alunos) e as matérias de sala de aula, mais específicas, para 40 alunos – os chamados Amphis abrigam os cursos magistrais. E é neles que eu acredito estar o glamour de cursar uma universidade francesa, pelo menos falando do prédio antigo da Sorbonne: magníficos e históricos anfiteatros, alunos muito bem vestidos e, à sua frente, um professor de importância mundial. O ambiente acaba sendo um enorme incentivador.

Além de toda a vida cultural que a cidade oferece, temos uma cinemateca que roda duas películas por dia, todos os dias letivos do ano; bibliotecas magníficas, às quais temos livre acesso; podemos comprar bilhetes para atividades culturais na própria universidade a preço reduzido e com a possibilidade de pagar com cheque; podemos nos consultar com um psicólogo se não estivermos nos sentindo bem e comer no restaurante universitário por três euros (entrada, prato e sobremesa), dentre outras possibilidades que confortam um estudante por aqui.
Um ponto importante é que as Universités são puramente teóricas, ainda mais para um curso de cinema e audiovisual. Claro que, se você quiser, no caso de audiovisual, fazer filmes/projetos, você pode e consegue emprestar equipamentos. Mas é tudo extracurricular. Normalmente quem quer uma parte mais técnica vai estudar em uma Grande École, no ano final de License, ou durante toda a duração dela.

Os colegas de classe são, em geral, pessoas bem interessantes. Na maioria são franceses, mas uns 15% dos alunos são estrangeiros. E tem gente do mundo inteiro. Eles têm uma boa impressão sobre o Brasil e os brasileiros. A mim, soa estranho não ouvir sobre futebol, carnaval e mulher, quando digo que sou brasileiro. Uma verdade engraçada é que ouço mais frequentemente o nome do presidente Lula. Por não termos uma classe formada por ano, acaba por não existirem muitas festas universitárias, como no Brasil. Cada grupo de amigos leva sua vida, independentemente do curso e da universidade. Particularmente no curso de Ciências Políticas, o pessoal se reúne toda semana para beber e conversar depois da aula da noite, à beira do rio Sena, atrás da Igreja de Notre Dame. Esse é o fato mais próximo da realidade brasileira que eu vi até agora.

O calendário universitário é definido alguns meses antes do início do ano e você já se matricula nas matérias dos dois semestres no começo do primeiro semestre. Em média, são 12 semanas de aulas por semestre e mais duas semanas de exames. Durante cada semestre existe uma semana de férias, sem contar as férias de Natal (de duas a três semanas) e as férias de verão (dois a três meses). Isso é bom porque temos bastante tempo para conhecer Paris, a França e viajar pela Europa.

Enfim, a experiência de morar em Paris e estudar na Sorbonne está sendo extraordinária. Paris não é uma cidade tão hostil para quem sai de São Paulo. Visito semanalmente um teatro ou museu novo, vejo filmes que são projetados na faculdade duas vezes por dia, fico algumas horas estudando na magnífica biblioteca Saint-Geneviève, sento em um banco do parque para descansar ou ler, dou uma volta de bicicleta até o restaurante universitário, pego o metrô e vou a um barzinho encontrar um amigo… as possibilidades são infinitas. Você tem inúmeras opções para ter qualidade de vida, diversificar seu enriquecimento cultural e seu ritmo em Paris. E se não estiver muito contente com a cidade ou com a universidade, pode até pegar um intercâmbio de um ano em outra universidade de ponta mundo afora.

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