“Eu não sou seu negro” e o peso da história

28 de março de 2017


“Southern trees bear a strange fruit
Blood on the leaves and blood at the root
Black bodies swinging in the southern breeze
Strange fruit hanging from the poplar trees”

(“Strange Fruit” – Billie Holiday)

 

No conto “The Flowers”, da escritora afro-americana Alice Walker, uma garotinha chamada Myop brinca pelos campos da fazenda em que mora no sul dos Estados Unidos. Ao se desviar de seu caminho habitual, ela sente seu pé preso a algo estranho, que emerge em meio às plantas. Para seu espanto, depara-se com um esqueleto. Pela descrição do estado e condição das roupas, o leitor depreende que a garota encontrou os restos mortais de um escravo que fora enforcado nas imediações da fazenda. A inocência de Myop, bem como a nossa, recebe um puxão no pé dos resíduos sombrios da história.

Assim como Myop, saímos no dia 11/3, um sábado, sem ter a menor ideia de como seríamos afetados pelo peso que se manifesta até os dias de hoje no que se refere à história do racismo nos Estados Unidos. Não posso dizer que chegamos ao cinema totalmente desinformados. Afinal, éramos um grupo de mais de 30 pessoas entre professores e alunos de Ensino Médio, os quais, com toda a certeza, tinham feito sua lição de casa sobre os conteúdos trabalhados no documentário Eu não sou seu negro, de Raoul Peck. No entanto, ao sairmos da sessão, o clima de silêncio e consternação acometia a todos, e alguns olhos marejados traduziam o peso que sentimos ao perceber que a história do negro nos Estados Unidos não difere muito do que ocorre em nossa própria realidade no Brasil.

Talvez o desconforto maior, no entanto, venha do fato de que, na imensa maioria, éramos um grupo de pessoas brancas, que fazem parte, de uma forma ou de outra, do discurso que colonializa a representação dos negros. No documentário, que procura, a partir dos escritos inacabados do autor afrodescendente James Baldwin, retraçar os caminhos do movimento negro entre 1955 e 1968, é evidente a forma pela qual mecanismos como a indústria cultural constroem uma imagem acerca da comunidade negra que diz respeito à perspectiva dessa camada da sociedade a partir do olhar do homem branco. Nessa linha, a tentativa do filme de construir novos espaços de representatividade não traça uma nova leitura da história, mas dá voz à leitura silenciada da comunidade negra. Afinal, como mencionado pelo narrador do documentário: “A história do homem negro nos Estados Unidos é a história dos Estados Unidos. E não é uma história bonita.”

E o que fazer para lidar com males atavicamente ligados à nossa sociedade? O peso de um questionamento como esse não se dissipa facilmente, mas foi reconfortante ouvir um grupo de adolescentes engajados reconhecer seus privilégios históricos e perceber que, a partir deles, a possibilidade de mudança pode atingir patamares reais.

Felipe Corazza, professor de Filosofia e idealizador do Encontro Filosófico; André Fernandes, professor de Língua e Produção de Texto; Teresa Chaves, professora de História; e Daniel Ribeiro, professor de Geografia, todos do Ensino Médio, acompanharam os alunos à sessão do filme.