Ficção combina com História?

20 de junho de 2018


“É neste aspecto que o abraço e a leitura

mais se assemelham: o fato de que

abrem em seu interior tempos e espaços

diferentes do tempo e do espaço mensuráveis.”

(Italo Calvino, Se um viajante numa noite de inverno, 1979.)

 

Quais são as fronteiras entre Ficção e História? Até que ponto a mentira, espaço da narrativa ficcional, deve ser também objeto de estudo da História e de seu compromisso com a verdade? Sempre, foi o que disse o historiador Júlio Pimentel Pinto aos alunos do Ensino Médio da Móbile, numa conversa no dia 11 de maio.

A convite das professoras de História Denise Mendes, Teresa Chaves e Márcia Santos, o especialista em Jorge Luis Borges e no estudo da narrativa policial como objeto de pesquisa do historiador discutiu com os alunos a importância da ficção para a investigação histórica. A partir do poema “O fingidor”, de Fernando Pessoa, Júlio Pimentel desdobrou a ideia da importância da mentira para a escrita da ficção e o fato de que isso traz algo a que um historiador, se preso exclusivamente aos documentos históricos, não tem acesso: o imaginário de uma época. Citou, entre outras obras e autores, o livro Se um viajante numa noite de inverno, de Italo Calvino, e o ensaio Lector in Fabula, de Umberto Eco: em 1979, os dois escritores italianos, por meio de um romance e de um ensaio acadêmico, abordaram a importância do leitor, de sua capacidade de interpretação, da liberdade necessária que existe no espaço da imaginação. Não se deve olhar para a ficção, diz Júlio, como um instrumento de comprovação dos fatos históricos. Isso é ignorar a liberdade que tem o ficcionista e dar a ele um papel que cabe apenas ao historiador, o de procurar uma verdade que nos elude sempre, a verdade histórica. Porém, a literatura é fundamental para dar à História o acesso à imaginação de uma época: quais são os monstros ou as ilusões de uma sociedade, suas preocupações e intenções de felicidade. Nada disso se encontra nos documentos objetivos da História, mas é campo aberto aos escritores literários. Por isso, o conselho dado por Júlio aos alunos foi: se querem realmente estudar História, leiam historiadores, claro. Mas, sobretudo, leiam ficção.