Filme “Kinsey” e o fazer científico
18 de abril de 2018
O filme Kinsey, que se passa nos EUA dos anos 1940 e 1950, relata a história real de um dos primeiros pesquisadores a descrever e estudar a sexualidade humana: Alfred Kinsey. Seu principal objetivo era comparar o que se dizia socialmente do comportamento sexual humano com o que de fato era praticado.
A metodologia utilizada para esse tipo de estudo foi um grande nó para o pesquisador. Como entrevistar pessoas perguntando a elas detalhes de sua vida sexual sem ser inadequado, porém deixando-as à vontade para responder a verdade, com todos os detalhes que eram preciosos para a pesquisa? Imagine isso, agora, no começo das décadas de 1940 e 1950 onde falar sobre sexualidade ainda era um tabu de difícil transposição! Kinsey, junto com sua equipe, partiu de questionários anônimos a entrevistas presenciais, sempre se preocupando em fazer perguntas que não induzissem os entrevistados e em não demonstrar nenhum tipo de julgamento ao ouvir as respostas. Não se trata de um exercício fácil, principalmente quando o assunto pode esbarrar em tópicos mais delicados como comportamentos fora do comum e, até mesmo, crimes sexuais.
O filme colabora com reflexão a respeito de como abordar o entrevistado de forma respeitosa, principalmente sem exteriorizar nenhum tipo de julgamento, e da importância de se fazer perguntas bem desenhadas para que a resposta dada seja sincera e satisfaça o entrevistador – habilidade a ser aplicada no Estudo do Meio.
Além de retratar a metodologia utilizada, o filme apresenta diferentes percalços pelos quais um cientista pode passar, desde a aquisição de recursos financeiros até a aceitação (ou não) de seus resultados de pesquisa pela sociedade. Kinsey, em suas primeiras publicações sobre sexualidade do ser humano do sexo masculino, é aclamado e elogiado pelos seus resultados. Já quando busca recursos para publicações a respeito da sexualidade feminina, encontra na sociedade uma grande resistência – perde os investimentos e passa a ser rejeitado pela mídia. Por retratar um estudo científico acerca de um tema tão pouco aceito socialmente, o filme deixa clara a influência da sociedade sobre a produção científica e da produção científica sobre a sociedade.
Junto com as questões políticas e sociais que circundam seu objeto de pesquisa, Kinsey também encontra dificuldades pessoais relacionadas ao tema, tanto em sua vida pessoal quanto com sua equipe trabalho. A reflexão que o filme traz nesse sentido é preciosa: criador e criatura, quando se trata de produção científica, influenciam-se mutuamente – cientistas são, sim, humanos e sujeitos a dúvidas, dogmas, medos e todo tipo de comportamento humano.
Juntando esses três elementos – dificuldades com o desenho metodológico, relação entre sociedade e produção científica e as implicações da vida pessoal do pesquisador –, o filme é rico por mostrar o processo científico como um processo humano e social do começo ao fim, sujeito a julgamentos e distorções, por mais bem desenhado que seja o protocolo experimental. O pesquisador não é colocado como detentor de todo o conhecimento e imparcialidade, mas como uma pessoa comum tentando descrever um evento natural da melhor forma que pode.
Lydia Getschko (Biologia) e Fernanda Souza (Química) são professoras do Ensino Médio.