Fruição e reflexão

28 de maio de 2018


Na tarde do dia 9 de maio, fomos ao Sesc Pinheiros como atividade complementar à disciplina eletiva de Teatro do 1o ano do Ensino Médio. A visita à exposição Entre Construção e Apropriação – Antonio Dias, Geraldo de Barros e Rubens Gerchman nos anos 60 foi bastante enriquecedora, repleta de informações e reflexões acerca dos artistas e de suas produções.

Recepcionados pelas arte-educadoras Rose e Camila, a tarde iniciou com uma conversa a respeito dos anos 1960, de toda a transformação intensa pela qual passava o país – e o mundo – naqueles anos. Falou-se das cidades cada vez mais aceleradas, da constante busca pelo progresso econômico, da Guerra Fria, da corrida espacial, da forte influência da cultura estadunidense aqui no país – a TV, o cinema, os automóveis, os produtos alimentícios, a publicidade e, inclusive como consequência de todos os anteriores, a Pop Art. Falou-se da Ditadura Militar e de uma relação intrínseca entre um tempo de muita opressão e os muitos gritos de liberdade por parte de movimentos sociais e artísticos. Toda essa contextualização foi amparada por uma iconografia bastante diversa, apresentada pelo curador da exposição, João Bandeira, nas paredes que circundam as salas com as obras dos três artistas. Fotos de época, capas de discos, de livros e revistas, notícias de jornal, entre outros materiais, estão apresentados em tais paredes para a imersão do observador em um tempo e um espaço: o Brasil da década de 1960.

Para iniciar a visita à exposição, falou-se do Concretismo e do Neo-Concretismo brasileiros, surgidos na década de 1950, e como a produção da década de 1960 foi um novo passo dado pelos artistas, após o declínio da abstração. A esse novo movimento deram o nome de Nova Figuração, movimento em que se enquadram as obras expostas no Sesc.

Enquanto as obras dos três artistas da exposição eram observadas pelos alunos, as arte-educadoras convidavam-nos a refletir acerca dos muitos elementos dos quais eles se apropriaram criticamente para produzir suas obras. Antonio Dias se apropria da estrutura das histórias em quadrinhos, de uma narrativa não linear das imagens que compõem o quadro. Geraldo de Barros se apropria da estrutura das fotonovelas (dos closes nos rostos e corpos) e dos outdoors, dos quais se utilizava de pedaços como suporte para suas obras. E Rubens Gerchman se apropria de uma série de elementos da indústria cultural, como o futebol, os concursos de Miss, a seção de correio sentimental da revista Sétimo Céu (bastante popular na época), entre outros. Em um de seus textos a respeito do artista, a crítica de arte Ana Maria Escallón afirma que “Gerchman observava a sociedade com um olho agudo. Sentia uma espécie de fascínio e ao mesmo tempo rejeição pelas condições da urbe, (…) pelos símbolos frívolos da beleza. Lutava contra os slogans de publicidade, que vendia felicidade através de um sorriso de pasta de dente”.

Ao final do passeio pelas obras dos três artistas, os alunos foram convidados pelas arte-educadoras a escolher uma obra que tivesse chamado a atenção deles. Depois de alguns instantes de incerteza, os alunos acabaram por escolher a obra O autor procura se esconder na confusão (1966), de Antonio Dias. Nela, existe uma enorme justaposição de elementos, uma reunião de signos, formando um emaranhado um tanto indigesto, como a maioria das obras do artista. Nas palavras de Mário Barata, crítico de arte, a obra de Dias “não se trata do inferno, mas de um mundo – o nosso mundo mesmo – cuja tragédia é visível e presente, e cujos impulsos vitais são corrompidos, gangrenados, distorcidos (…)”.

Com a escolha da obra, os alunos foram convidados a criar uma mimese, uma transposição, daquilo que viram e sentiram observando o quadro com seus próprios corpos – dispositivo este utilizado no curso de Teatro. A imagem criada, um emaranhado de corpos sem rosto, foi fotografada e impressa. E, como última etapa do processo prático, foi proposto aos alunos uma prática de composição visual a partir de todo o percurso de fruição e reflexão; uma colagem a ser feita com a foto da mimese corporal e com outros elementos, como recortes de jornal e revista, palavras e a interferência com canetas hidrocor.

Toda a experiência vivida nessa tarde foi muito positiva, especialmente para perceber a potência da arte em reunir tantos sentidos e sensações em uma imagem e − como cabe a nós, no ato de observar e refletir sobre a obra − criar as conexões (tanto racionais quanto intuitivas) entre a obra e a realidade que nos cerca! Em uma entrevista, o artista Antonio Dias afirma que “O espectador é sempre o objetivo, e sua resposta faz parte do trabalho. Mas não acredito que o trabalho vá funcionar com todos, nem que vá funcionar da mesma maneira com todos. É como esperar, da parte de quem olha, a mesma atitude interrogativa com relação à arte. No mínimo, busca-se colocá-lo diante de uma situação na qual ele tem de se questionar”.

 

Guilherme Yazbek é professor da disciplina eletiva de Teatro.