Mesa-redonda: três visões sobre a Ditadura Militar no Brasil

9 de dezembro de 2016


“Minha jangada vai sair pro mar
Vou trabalhar, meu bem querer
Se Deus quiser quando eu voltar do mar
Um peixe bom eu vou trazer
Meus companheiros também vão voltar
E a Deus do céu vamos agradecer”
(“Suíte do Pescador”, Dorival Caymmi, 1957)

Os versos de Caymmi confortaram muitos presos políticos que passaram pelas celas do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) de São Paulo durante a década de 1970. Em momentos de soltura, quem saía da prisão cantava os versos da música desejando reencontrar fora dali aquele que permanecia preso.

A prisão, a tortura e o desaparecimento são muitos dos temas que perpassam a história da Ditadura Militar no Brasil, tratados ainda com um distanciamento como se todas aquelas experiências cobertas de dor fizessem parte de um tempo muito distante. Mas esse tempo ainda deixa legados e marcas em nossa história e em nosso presente. Embora boa parte da documentação oficial sobre o período tenha sido perdida ou destruída propositalmente, ainda existem outras formas de lidar com esse passado tão próximo.

Iniciativas como a Comissão Nacional da Verdade e as comissões regionais e institucionais contribuíram para trazer à tona, ao mesmo tempo, as vozes de algozes e de pessoas que foram vitimadas durante os chamados “anos de chumbo”. Centenas e centenas de páginas foram produzidas por essas comissões, detalhando prisões arbitrárias, torturas, assassinatos e todas as formas de violação dos Direitos Humanos.

Todavia, a revelação de memórias e a produção de relatos parecem não ser o suficiente para evitar que setores autoritários saiam às ruas em todo o país exigindo a volta do estado de exceção e dos militares ao poder. A última manifestação nesse sentido ocorreu após a invasão do plenário da Câmara dos Deputados, em Brasília, no dia 16 de novembro, quando um grupo de pessoas de várias idades interrompeu os trabalhos daquela casa, aos gritos e carregando faixas, exigindo uma nova intervenção militar.

Todos os anos, a Móbile procura debater esse período com seus alunos, para além das aulas de História. Promovemos encontros e iniciativas para pensar o que foi a Ditadura Militar no Brasil.

Com o objetivo de aprofundar temas que atravessaram o período, em outubro, recebemos em nossa escola os pesquisadores Felipe Amorim, Joana Monteleone e Janaína Teles em uma mesa-redonda. Felipe Amorim, ex-aluno da Móbile, jornalista formado pela PUC-SP e um dos autores do livro À espera da verdade: empresários, juristas e elite transnacional, foi um dos convidados. Ele e a jornalista e historiadora Joana Monteleone, coautora do mesmo livro, apresentaram aspectos relacionados ao papel exercido pelo empresariado na articulação do golpe de 1964, que resultou na ditadura de 21 anos.

Outra voz importante do debate foi a de Janaína Teles, historiadora que pesquisa experiências e memórias de presos políticos. Janaína trouxe para o encontro um relato que emocionou todos os presentes. Aos 5 anos de idade, ela e seu irmão, junto com seus pais, foram presos e enviados ao DOI-CODI de São Paulo, em 1972. Ao relatar a experiência, Janaína abordou temas como luta armada, resistência e repressão, que ajudaram nossos alunos na construção de referências históricas sobre o período. Outro dado importante analisado na ocasião do debate foi o fato de a família Teles ter protagonizado a primeira ação judicial, em 2005, contra o militar Carlos Alberto Brilhante Ustra, responsável por sequestro, tortura e violações de membros da família.

O encontro que reuniu alunos e professores do Ensino Médio foi marcado por perguntas que estabeleceram relações entre o passado e o presente. Em diversas ocasiões, os convidados foram interpelados por indagações de como evitar um novo estado de exceção no país, como garantir o respeito às liberdades constitucionais dos indivíduos e, sobretudo, como a escola pode ampliar seu papel como instituição que preza pela democracia, liberdade e defesa dos direitos humanos. Com base nas preocupações de nossos alunos, seguimos contribuindo para a formação de cidadãos críticos capazes de analisar com profundidade a história do país.

Márcia Juliana Santos é professora de História do Ensino Médio.