Móbile na Metrópole

31 de maio de 2016


Há uma estranha cidade em que uma biblioteca substituiu um presídio implodido (aquele dos 111 mortos). Nesse mesmo lugar, um antigo hotel de luxo (abandonado) do Centro transformou-se num edifício ocupado (e bem cuidado) por moradores sem teto. Há nessa cidade uma ciclovia às margens de um tenebroso rio (modernidade/ruína). Há, também, galerias de grafite ao ar livre, da zona leste à zona oeste. Nessa tal cidade, as pessoas aplacam sua solidão comprando – e muito (na 25 de março, na Oscar Freire, nas inúmeras galerias especializadas). Há no local um impactante teatro realizado ao ar livre numa vila construída para operários no início do século XX e muros e muros e muros pichados, grafitados, coloridos, escurecidos. Todo esse cenário – resumido aqui para não aborrecer o leitor – não pertence a um filme de Luis Buñuel nem compõe uma tela surrealista de Salvador Dalí. Estamos falando de uma velha conhecida: a cidade de São Paulo.

Quando os padres jesuítas José de Anchieta e Manoel da Nóbrega subiram a Serra do Mar, nos idos de 1553, não imaginaram, ao se depararem com “ares frios e temperados como os de Espanha” e com “uma terra mui sadia, fresca e de boas águas”, que inaugurariam uma das cidades com maior vocação cosmopolita do mundo. Mais de quatro séculos depois dos primeiros exploradores oficiais, neste mês de maio, os alunos do 2º ano do Ensino Médio se lançaram na aventura de redescobrir (e analisar) São Paulo, a cidade de 10.886.518 habitantes (19 milhões, se considerarmos a região metropolitana, ou seja, os 38 municípios que circundam a capital). Tendo como mote a intolerância – tema discutido nas aulas de Filosofia (Prof. Felipe), História (Prof.ª Teresa), Língua e Produção de Texto (Prof. André) e Estudos Literários (Prof. João Cunha) –, vários grupos de alunos percorreram roteiros plurais da pauliceia desvairada (bem diferente daquela expressa poeticamente por Mário de Andrade na década de 1920) e registraram, por escrito, em vídeo e em fotografia, o resultado de suas investigações. Indignaram-se com a situação dos moradores de rua, sentiram a pulsação histérica do comércio, comoveram-se com as pessoas que ocupam edifícios abandonados do Centro, ouviram cantadores de rua, recitaram poemas e tocaram numa sala de hotel, experimentaram sabores, conviveram intensamente – em contextos diferentes dos habituais – com professores e monitores… Se o educador da Universidade de Barcelona Jorge Larrosa Bondía estiver certo e a verdadeira “experiência” for aquilo “que nos passa, que nos acontece, que nos toca”, e não simplesmente “o que se passa, o que acontece, ou o que toca”, nossos alunos, nessa maratona de três longos dias que começavam às 7h00 e terminavam quase à meia-noite, viveram uma experiência rara em tempos de distanciamento, frieza e falta de contato. Experimentar, nesse caso, significou romper estereótipos, exercitar a alteridade e rir e chorar diante da loucura que é viver numa cidade como a nossa.

Wilton Ormundo é diretor do Ensino Médio.