“Olha a voz que me resta”
8 de abril de 2019
No dia 23 de março, 60 alunos do Ensino Médio assistiram à peça Gota d’água (preta) no Centro Cultural São Paulo. A montagem, uma adaptação do texto teatral Gota d’água, de Paulo Pontes e Chico Buarque, acentua a crítica social presente no texto original, trazendo com força questões de desigualdade social, racial e de gênero para um contexto muito atual. Além disso, inova com um elenco majoritariamente negro, no qual a personagem Joana é interpretada pela cantora Juçara Marçal, do grupo Metá Metá. As músicas são interpretadas a partir de elementos eletrônicos do hip hop e do funk, combinados com instrumentos de matriz africana, gerando outra identidade para um repertório de canções conhecidas.
Os adolescentes que escolheram passar a noite de sábado no teatro tiveram a oportunidade de ser tocados por um universo de representações distante do seu cotidiano, incorporando novos elementos essenciais a suas formações como seres humanos críticos. Segundo Lívia Haddad, aluna do 3º ano, poucas experiências a transformaram tanto quanto assistir à peça Gota d’água preta. “Em um contexto político de tanta intolerância, especialmente em um país como o Brasil, cuja sociedade se estrutura no racismo, encenações como essa nunca foram tão relevantes. Por meio da adaptação do texto de Chico Buarque para a realidade negra, a peça revela questões por trás do que significa ser negro no Brasil: a falta de possibilidades de ascensão social e, nos raros casos em que esta ocorre, o conflito interno causado pelo sentimento de que enriquecer e mudar de vida seria uma forma de negar a origem negra.”
Lívia nota, ainda, que a peça retrata a vulnerabilidade social de mulheres afrodescendentes e mães solteiras, sem desconsiderar, ao mesmo tempo, a força que elas demonstram quando, apesar de todos os obstáculos, são capazes de sustentar suas famílias e manter-se independentes. “No palco, os atores falam, dançam, cantam e respiram aquilo que negros e negras vêm tentando nos dizer há décadas, mas que raramente estivemos dispostos a ouvir. A peça permite a compreensão de um Brasil que precisa ser visto para que haja perspectiva de mudanças na realidade em que todos nós vivemos”, completa.