Projeto África

20 de dezembro de 2017


Mãe preta 

Mãe preta, me conta uma história.
Então, fecha os olhos, filhinho:

“Longe, longe,
Era uma vez o Congo. Depois…”

Os olhos da preta velha pararam.
Ouviu barulho de mato no fundo do sangue.

Um dia
Os coqueiros debruçados naquela praia vazia.
Depois, o mar que não acaba mais. 

Depois…
Ué, mãezinha, por que não acaba o resto da história?

 (Raul Bopp, Urucungo.)

 

No 2º semestre de 2017, as disciplinas de Artes, História e Língua Portuguesa desenvolveram o Projeto África. O expressivo trabalho teve como foco inicial pesquisas relativas à(s) história(s) desse continente e a identificação de suas características culturais e socioeconômicas. Ao cabo do projeto, depois de vivências dentro e fora da escola, nossos alunos ressignificaram, em Artes, algumas das entidades resultantes do sincretismo entre religiões africanas e o próprio catolicismo, os Orixás. Já em História e Língua Portuguesa, elaboraram as chamadas Histórias Cruzadas, narrativas mistas de elementos factuais e fictícios.

O tratamento da herança africana como matriz formadora de nossa identidade nacional foi a base, em e por princípio, para a crítica à visão que atenua a famigerada narrativa de séculos de história(s) de milhões de africanos e afrodescendentes escravizados. Nesse sentido, ir ao Museu Afro Brasil, que assume como pilar o objetivo de exibir como negro quem negro foi e quem negro é no Brasil, foi ao encontro do nosso projeto.

Nos dias 11, 17 e 19 de outubro, em visita ao museu, os alunos passaram por caminhos que apresentavam os frutos das relações cruzadas entre as matrizes europeias, africanas e indígenas na América. A história representada e perpetuada pelas inúmeras obras têxteis, gravuras, pinturas, documentos e fotografias ajudou a rememorar o motivo de o escritor angolano Ondjaki, lido em novembro nas aulas de Língua Portuguesa, ter dito: “Não tenho medo de morrer. Tenho medo de esquecer”. A análise de elementos que caracterizam os orixás, lá representados, auxiliou também a disciplina de Artes na reflexão sobre a construção da identidade individual e coletiva dos povos africanos, o que culminou com o trabalho exposto na 12ª Mostra de Artes da Móbile.

A partir, então, dessa vivência no museu, da produção artística sobre os orixás e do estudo pormenorizado do terrível episódio de nossa história, a escravidão, nossos alunos deram voz aos escravizados em suas narrativas. Nessa tarefa árdua de empatia, tiveram de vincular à produção ficcional elementos de verossimilhança histórica, não somente desenvolvendo histórias coerentes ao contexto da escravidão na América do século XIX, mas também dominando técnicas de narração, como a “Técnica de Lentidão”.

Nas várias narrativas contempladas, a consciência das infinitas possibilidades de histórias de sujeitos e povos que fizeram parte da história do Brasil permitiu que os alunos e alunas entrassem em contato com a complexidade do continente africano e seus povos, evitando, assim, reproduzir uma história única. Esta, nas palavras da escritora nigeriana Chimamanda Adichie, “rouba a dignidade de um povo” ao mostrá-lo apenas como uma única coisa.

Por meio do projeto, os alunos, ao enxergarem para além de uma África folclorizada, conseguiram compreender que, entre alianças, conflitos e resistências, os africanos desempenharam papel ativo na construção de nossa história brasileira. Essa compreensão não fragmentada, atendendo à natureza múltipla do processo histórico em estudo, levou ao desenvolvimento de trabalhos significativos nas diferentes áreas de conhecimento.