Projeto investigativo em foco: o eu jornalista
22 de junho de 2017
Etimologicamente, a palavra investigar está associada a vestigium (do latim), que significa procurar, ir atrás, descobrir traços, seguir pegadas deixadas no chão, examinar marcas muito pequenas. Tais ações revelam o comportamento de alguém que busca ativamente desvendar o mundo à sua volta a partir de evidências, o que pode caracterizar o ofício de um jornalista – e também o de um estudioso em inúmeras áreas do conhecimento.
Na Escola Móbile, desde muito jovens, os alunos são incentivados a se posicionar de forma crítica diante da realidade e do conhecimento. No 8º ano, tendo em vista o nível de desenvolvimento maturacional dessa faixa etária, o investigar é a metodologia de trabalho priorizada para capacitar os iniciantes no fazer científico a adquirir hábitos de estudo, visando à elaboração de hipóteses, à coleta de dados, à análise de resultados, à formulação de conclusões e à comunicação verbal da pesquisa. Nesse sentido, as atividades relacionadas ao Estudo do Meio correspondem exatamente aos principais objetivos pretendidos pela série, além de este ser um projeto essencialmente interdisciplinar e, por esse motivo, complexo e importante. Santos, cidade histórica localizada no litoral paulista, é o espaço urbano escolhido para que a vivência dos alunos ocorra em um contexto real, entrelaçado de práticas sociais. A entrevista e a fotografia são alguns dos principais recursos jornalísticos e acadêmicos utilizados para que o contato com o meio seja estabelecido. Essas atividades permitem, como resultado, a produção de uma reportagem.
Por que estudar para além dos limites da escola? Segundo Vygotsky (A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991), a interação dos indivíduos com uma ação externa provoca um processo de reconstrução interna, isto é, uma operação intelectual ativa e constantemente a serviço da comunicação. Quando o local escolhido para que a pesquisa se realize corresponde a um ambiente novo em que a realidade social se apresenta a partir de problemas cruciais – como ocupação do espaço e uso dos equipamentos urbanos, igualdade e desigualdade social, emprego e desemprego, oferta e carência de moradia, preservação e degradação ambiental, entre outros –, a educação passa a situar-se em um contexto mais amplo, o da educação para a cidadania. Os estudantes se convertem, portanto, em corresponsáveis na defesa da qualidade de vida, uma vez que se reconhecem como integrantes da sociedade e, por isso, portadores de direitos e deveres. A solidariedade, a igualdade e o respeito à diferença por meio de formas democráticas de atuação firmadas em práticas interativas e dialógicas são princípios valorizados pela escola e reforçados nas atividades de Estudo do Meio com o objetivo de criar novas atitudes e comportamentos nos alunos.
Quais são os benefícios de um projeto interdisciplinar? Ler e escrever é um compromisso de todas as disciplinas. O letramento não ocorre somente por meio do estudo da literatura, mas, também, de conteúdos específicos inseridos em veículos comunicativos diversos, como livros didáticos, jornais, revistas e artigos impressos ou virtuais. Além disso, o olhar investigativo do jornalista-pesquisador não pode contar apenas com um ponto de vista a respeito do objeto estudado, por isso os fragmentos de saberes e a relação entre eles geram a possibilidade de que um posicionamento mais crítico, amplo e consistente seja desenvolvido. Durante todas as etapas do Estudo do Meio — preparação, estudo de campo, análise da pesquisa de campo, estudo bibliográfico, planejamento e elaboração de uma reportagem —, as disciplinas de Geografia, História, Língua Portuguesa, Artes, Ciências e Matemática estão engajadas mantém diálogo constante, com o objetivo de promover a construção e reconstrução da aprendizagem, não unicamente de conceitos, mas também de procedimentos e atitudes.
Como as entrevistas contribuem para a pesquisa? A entrevista, agendada ou espontânea, pode ocorrer no ambiente escolar; no entanto, no espaço público, ela proporciona maior desenvolvimento da autonomia e da proatividade. Ela é exemplo de uma das atividades que favorecem a capacidade de cooperar, de ter iniciativa, confiança, respeito mútuo, versatilidade cognitiva, além de proporcionar um registro autônomo, sintético e muito útil para o trabalho posterior. Essa fonte primária de pesquisa é fundamental para a escolha do tema da reportagem a ser elaborada em grupo como finalização do projeto de Estudo do Meio.
O que fotografar? O trabalho realizado especialmente pela disciplina de Artes busca refinar o olhar dos alunos para que eles se atentem realmente aos elementos constituintes do espaço urbano. Em um mundo regido pela velocidade, pela produção e pelo consumo, há de se ensinar a contemplar calmamente o que se vê a fim de que as imagens não passem despercebidas, nem mesmo por aqueles que buscam registrá-las como fonte de informação. Por essa razão, os jovens jornalistas-pesquisadores não foram incentivados a simplesmente clicar o tempo todo para congelar espaços percorridos em Santos, pois, se a pretensão fosse produzir cartões-postais, não seria necessário sair da escola, nem mesmo de casa, bastaria “dar um Google” e realizar uma rápida pesquisa virtual. Em vez disso, a educação do olhar não visou, portanto, reforçar a banalização e a ‘descartabilidade’ das cenas cotidianas, mas, sim, a discriminação do que se observava, a reflexão atenta fomentadora da análise, da transformação e da proposição do novo.
Santos é uma cidade que privilegia a realização de um Estudo do Meio? Uma das cidades mais antigas do Brasil (1546), Santos é também a que possui o maior porto da América Latina. Reconhecida historicamente, por um lado, pela existência de um sistema urbano direcionado às tarefas de exportação e importação, a cidade, por outro lado, atende a outra rede urbana, voltada para o consumo interno e para as ações indispensáveis a mantê-lo. Entre os vários espaços urbanos santistas marcados por essa dualidade, alguns foram escolhidos para serem estudados no Estudo no Meio do 8º ano. O bairro do Valongo, próximo ao Porto e marcado pela cultura de distribuição do café, configura-se a partir dos edifícios deflagradores de parte da arquitetura original e parte da contemporânea. O Monte Serrat, o mais alto da cidade, dispõe de acessibilidade por meio do bondinho, da escadaria de 415 degraus e do suado trabalho de carregadores. A Pompeia, localizada ao longo da orla marítima, é eminentemente residencial, apesar de concentrar muitos estabelecimentos comerciais que servem à grande parte população moradora dos arranha-céus com vista para a praia. A Vila Gilda, bairro que abriga a maior favela sobre palafitas brasileira, tem sua população assistida pela ONG Arte no Dique, a qual desenvolve ações educativas por meio de um trabalho sociocultural direcionado ao acesso à dança, à música e à tecnologia. Por fim, escondida nos meandros do Rio Diana, encontra-se a Ilha Diana, local de moradia de uma comunidade exclusivamente caiçara de pescadores, ameaçada pela implementação de instalações de movimentação portuária de carga na região. Conhecer a forma de ocupação desses espaços pela população, a desigualdade de ocupação baseada na condição socioeconômica, bem como o acesso aos equipamentos urbanos disponíveis, são alguns dos assuntos investigados pelos alunos.
Finalmente, por que produzir uma reportagem? Um Estudo do Meio não ocorre apenas durante a atividade de saída a campo. As etapas constituintes desse projeto interdisciplinar são diversas. Registros são feitos em um caderno de estudo; fichas técnicas de organização do trabalho são preenchidas; aulas expositivas e discussões são realizadas com o objetivo de proporcionar vários momentos de exploração e aprofundamento dos conteúdos interdisciplinares, além de propiciar uma avaliação do processo de trabalho. Ainda assim, um produto final, no caso a reportagem, gênero estudado no primeiro bimestre, é valorizado como forma organizada, coerente e coesa de comunicar a pesquisa, pelo fato de ser esse um texto informativo e uma exposição produzida a partir das especificidades do trabalho realizado pelo grupo. Nessa pesquisa, desde a proposição do tema até o tipo de estrutura da reportagem escolhida — comparação, explicação, relato de experiência, argumentação —, os alunos assumem a responsabilidade de se decidirem juntos, em grupo, pela melhor opção.
Dessa forma, as diferentes esferas da atividade social encontradas no mundo são destacadas em um Estudo do Meio. Essas são constituídas por práticas multiletradas de leitura de textos escritos, orais, visuais. Qualquer enunciado interpretado longe de sua esfera de circulação perde em significado. Por isso, um longo e denso trabalho de pesquisa e contemplação da vida urbana ganha destaque nas diversas disciplinas do 8º ano no segundo bimestre.