Que som os sinos têm?
30 de agosto de 2017
É a hora em que o sino toca,
mas aqui não há sinos;
há somente buzinas,
sirenes roucas, apitos
aflitos, pungentes, trágicos,
uivando escuro segredo;
desta hora tenho medo.
(“Anoitecer” – Carlos Drummond de Andrade)
Os versos acima, do poema “Anoitecer”, de Carlos Drummond de Andrade, mostram um eu lírico perturbado pelo cenário de uma cidade. Causa estranhamento nele a ausência do soar dos sinos. Símbolo do interior das Minas Gerais, os sinos remetem não apenas à marcação do tempo das diferentes experiências de um dia, como no poema, mas à rememoração de um tempo que parece se esvair em meio ao crescimento das grandes metrópoles.
Foi em busca de um registro desse processo que Marcia Mansur e Marina Thomé produziram o documentário O som dos sinos. Tombados como patrimônio cultural imaterial pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), os toques realizados por diversos sineiros das cidades históricas de Minas Gerais são o disparador para uma discussão instigante a respeito das aflições decorrentes da modernização. Em um trabalho que combina o olhar cinematográfico preciso com uma vasta pesquisa acadêmica, as diretoras constroem uma perspectiva profunda sobre a questão sem deixar de lado a sensibilidade necessária para a formulação de um grande documentário.
Abordar essa mescla entre criatividade estética e pesquisa acadêmica foi fundamental para os 150 alunos do 2º ano do Ensino Médio. Em meio às gravações de seu próprio minidocumentário para o projeto Móbile na Metrópole, estarem expostos a formas diferentes de trabalhar o objeto cinematográfico é uma fonte de inspiração importante, bem como subsídio teórico pertinente para o enriquecimento de visões de mundo sensíveis a tudo o que os cerca.
Além do documentário, as autoras criaram um Webdoc, plataforma interativa na qual os usuários podem acessar hiperlinks que criam diferentes caminhos para conhecer os sinos das nove cidades registradas pelo projeto, os quais também foram contemplados em um aplicativo que permite o reconhecimento desses diferentes toques. Em um mundo cada vez mais permeado pela tecnologia, é reconfortante entrar em contato com um trabalho que saiba atribuir a ela a dimensão de enriquecimento das experiências que as autoras procuram retratar. Foi assim que nossos alunos puderam perceber que, mesmo em meio a “buzinas, sirenes roucas, apitos”, ecoa o peso histórico e artístico do som dos sinos.
André Fernandes é professor de Língua e Produção de Texto do Ensino Médio.